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Depois de quase 25 anos trabalhando no setor de TI, Kenia Milene Galiego estava cansada da rotina estressante e da falta de tempo para a família. Para agravar a situação, ela sofreu um derrame, o que a levou à decisão de mudar os rumos da carreira em busca de mais qualidade de vida. A solução que unia o útil ao agradável foi investir profissionalmente em um hobby a que ela e o marido, Walter Ritschel Jr, costumavam praticar em casa: a fabricação de cerveja.
Durante mais de um ano, Kenia se dedicou a estudar não só as técnicas de produção da cerveja – ela se formou sommelière nesse período – mas também investiu em conhecimentos de gestão, marketing e diversos cursos voltados para o empreendedorismo oferecidos pelo Sebrae-SP. “Hoje todo mundo sabe fazer cerveja, mas a maioria é apenas curioso. Aprende apenas a fazer a receita e não sabe como funciona a gestão do negócio”, diz.
Os planos dela são mais ousados: a partir de sua marca, a Samadhy, ela pretende se tornar uma indústria no futuro próximo, a ser instalada na zona norte de São Paulo. Hoje, a cerveja é produzida em uma fábrica terceirizada, a chamada “produção cigana”.
“Como qualquer produto artesanal, o custo de produção é muito alto, principalmente para quem é pequeno. As contas ainda não estão equilibradas porque terceirizar a produção é caro, mas o planejamento com a fábrica vai diminuir custos”, conta Kenia. Além disso, a empreendedora teve um problema com a marca que havia criado anteriormente, já registrada por outra empresa, e teve de recomeçar o plano de marketing e a identidade visual.
Mesmo com todos esses percalços, ela está confiante no negócio. Atualmente, Kenia vende sua linha de cervejas em eventos e via internet – o marido continua trabalhando em outra empresa, também na área de TI, até que seja possível se dedicar integralmente à cervejaria. Ela costuma dizer que não vende cerveja, mas “proporciona sensações”, que passam pelo cuidado com a escolha dos ingredientes e com cada detalhe do produto final. “Minha cerveja é para ser degustada como um vinho, em um copo adequado, analisando todo o perfil sensorial, a cor, a espuma”, diz.
Mercado especial
Assim como Kenia, muitos brasileiros despertaram para o bom negócio das cervejas artesanais (também chamadas de especiais) nos últimos anos. Ao contrário das cervejas industriais, produzidas em grande volume e com insumos menos nobres, as artesanais costumam utilizar apenas os quatro ingredientes básicos da cerveja (água, malte, lúpulo e levedura), embora seja comum encontrar quem faz boas bebidas utilizando frutas ou sabores defumados.
Um estudo da Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe) mostra que a venda de bebidas alcoólicas –incluindo cervejas, vinhos e destilados – caiu 9,6% no País de 2014 a 2018, passando de 15 bilhões para 13,6 bilhões de litros. No mesmo período, o volume de cervejas especiais vendido no Brasil cresceu mais de 238%, subindo de 55,6 milhões para 188,2 milhões de litros.
“Principalmente em São Paulo, o cenário é de crescimento, tanto do número de microcervejarias quanto da profissionalização”, afirma o consultor do Sebrae-SP Luis Bramante, também gestor da Cerveja Livre, associação que reúne produtores de cerveja do Interior de São Paulo. Segundo ele, hoje no País há cerca de mil microcervejarias registradas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que correspondem a cerca de 2% do mercado de cervejas do Brasil. “Mas os cervejeiros não precisam brigar por esses 2%, e sim trazer o consumidor que está nos 98%, da cerveja tradicional”, diz.
O momento econômico, porém, não tem contribuído para um desenvolvimento ainda maior do setor, mesmo porque quase toda a matéria-prima é comprada em dólar. O preço muito mais baixo das cervejas tradicionais também força os produtores a reduzir as margens para poder diminuir o valor final de venda – afinal, uma cerveja artesanal de boa qualidade não é barata. De acordo com o 1º Censo das Cervejarias Independentes Brasileiras, realizado pelo Sebrae e pela Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), apenas 28% das cervejarias pesquisadas apresentavam, em 2019, desempenho financeiro superior do que em 2018. O restante ou estava “empatando” (50%) ou apresentando prejuízo (22%). (Leia mais sobre o Censo abaixo)
Para Luis Bramante, o investimento alto para abrir uma cervejaria exige que o empreendedor esteja preparado para a gestão do negócio, e não apenas para fazer um bom produto. “Embora seja um mercado que atraia pessoas com boa formação profissional, muitas começam sem um plano de negócios, a maioria não entende o sistema tributário do setor e não tem experiência com indústria”, afirma.
Em sua atuação no setor cervejeiro, Bramante orienta os empreendedores a investir no associativismo, que abre caminhos para compras conjuntas e promoção de eventos para atrair potenciais consumidores. Grupos de cervejeiros também têm se unido, com apoio do Sebrae-SP, para promover “rotas cervejeiras” pelo Estado. Só na região metropolitana de Sorocaba, por exemplo, existem cerca de 30 microcervejarias, que devem dar sequência a um projeto com foco no turismo. Neste ano, elas já promoveram uma versão local da Oktoberfest.
Cerveja “acelerada”
Em um mercado competitivo e regrado como o das microcervejarias, também sai na frente quem consegue inovar. Esse é o caso da StartUp Brewing, que se apresenta como uma empresa de “tecnologia cervejeira”. Instalada em Itupeva, a pouco mais de 70 km de distância de São Paulo, ela não só fornece espaço e equipamentos para a produção de outras cervejarias como “acelera” aquelas que mostram potencial de crescimento – assim como investidores-anjo fazem com startups promissoras, injetando capital e fazendo mentoria.
A ideia começou com o engenheiro André Franken, que fez toda a carreira profissional no mercado coroprativo, e com um sócio, também engenheiro, que produziam cerveja em casa – muito elogiada por família e amigos. Com o sucesso, passaram a investir em equipamentos ainda melhores e a expandir a produção. “Começamos a perceber que o mercado era muito amador, quase caseiro mesmo. Vimos que havia espaço para profissionalizar e levar tecnologia de ponta”, conta.
Depois de terem a experiência de produzir em uma cervejaria terceirizada, os sócios resolveram investir em um local próprio. Junto a investidores, levantaram R$ 15 milhões para montar uma fábrica “de última geração”, de acordo com Franken. “Existem muitas fábricas onde se pode terceirizar a produção, mas a nossa forma de fazer é diferente: também damos orientação, oferecemos toda informação sobre como está a produção naquele dia pelo celular”, diz. Segundo ele, o processo pode reduzir o custo de terceirizar a produção da cerveja em até 25%.
Atualmente, a produção da StartUp Brewing é de 100 mil litros mensais. Além das terceirizadas e das “aceleradas”, os sócios mantêm duas marcas próprias. Para 2020, o plano é expandir a produção para outros locais, com distribuição nacional. Os sócios também continuam em busca de cervejas para acelerar. “O potencial vai desde uma identidade visual bacana, um bom conceito, a capacidade de expansão, uma avaliação do empreendedor. E, claro, ter uma boa história para contar”, diz Franken.
Para ele, o Brasil ainda está “engatinhando” no segmento de cervejas artesanais – nos EUA, para se ter uma ideia, essa fatia ocupa 20% do mercado. “As pessoas que aprendem a tomar uma cerveja artesanal não voltam mais atrás. O preço é mais alto, mas não é uma cerveja para tomar dez latas”, afirma. A tendência do mercado, agora, é a profissionalização: marcas com história bem resolvida, rótulos atraentes e custo operacional equilibrado. “Vai ficar no mercado quem se organiza, quem paga todos os impostos. Porque nossa competição não é no preço, mas no conceito”, finaliza.
Fonte: Pequenas Empresas & Grandes Negócios

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